DA POSSIBILIDADE DE REVISÃO DOS CONTRATOS DE COMPRA E VENDA PARA ENRTEGA FUTURA DE GRÃOS
A discussão não é nova e tem um histórico “desfavorável” ao produtor no que tange a revisão dos contratos de compra e venda para entrega futura, em especial quando tratamos de commodities agrícolas como soja.
Os tribunais têm usado ultrapassado e recorrente entendimento de que, basicamente, tudo que permeia a atividade agropecuária e que influencia no preço dos produtos e no custo da produção, seja beneficiando o produtor no final da escala, mas seja especialmente prejudicando o agricultor, se traduz em “risco regular do negócio”.
Teorias jurídicas consagradas, como a teoria da imprevisão e a regra de proibição da onerosidade excessiva em desfavor de uma partes da relação negocial são ignoradas pelos juízes, que impõem àqueles que de fato produzem e sustentam o país a pesada carga de arcar com todas as alterações de humor do mercado e do tempo, com a volatilidade da taxa cambial, com a volatilidade dos preços internacionais, com a falta ou excesso de apetite dos importadores, enfim, com todos os fatores que influenciam a composição de preços dos produtos no mercado.
Haverá aqueles que irão dizer que bastaria ao produtor evitar “travar” vendas, que fiquem com seu produto estocado e o venda pelo melhor preço. Existe sim essa opção, é ela é de fato ainda muito utilizada, mas somente por aqueles que tem condições de armazenar o seu grão e aguardar o melhor preço para venda, e que também tem condições de financiar a si mesmos e preparar a próxima lavoura.
Mas boa parte dos produtores opera “alavancado”, com suas safras futuras já vendidas, e em muitas dessas vezes, assim o fazem por absurda pressão das trading companies, que, presentes cada vez em maior número, buscam preencher mercados novos ou pouco explorados, que ainda não são grandes consumidores dos produtos agrícolas brasileiros, e para isso assediam os produtores com ofertas que, em algumas vezes, parecem tentadoras.
Nesse cenário vivemos o agro nacional, e ao que tudo demonstra, o cenário jurídico não vem se atualizando, deixando de olhar com olhos mais atentos os movimentos do mercado agropecuário e aplicando regras que hoje não fazem mais sentido, enfraquecendo o produtor rural, enfraquecendo a produção nacional, enfraquecendo a economia nacional.
Para contextualizar:
Tomemos o mercado atual, com cenário de safra de soja 2020/2021.
Em estados como o Rio Grande do Sul, não é incomum encontramos produtores que celebraram mencionados contratos prevendo a entrega por um preço que varia entre R$ 92,00 e 99,00 a saca de 60kg.
Estamos falando de grãos que deverão ser entregues em algumas semanas.
Tomando o preço na primeira semana de dezembro de 2020, o valor da saca de soja FOB, em Passo Fundo, por exemplo, se aproxima de R$ 150,00!
Estamos falando de uma diferença de 50%! O produtor que travou um contrato a R$ 99,00 estará tendo um prejuízo de 50%, e na outra ponta, por obviedade, a trading, o comprador, terá um lucro de 50%.
Vamos traduzir em números: Digamos que tenha sido feito um contrato de venda de 180.000KG, ou seja, 3.000 sacas. Pelo contrato firmado, o produtor recebera, bruto, R$ 297.000, por um produto que vale, no exemplo acima R$ 450.000, ou seja, mais de R$ 150.000 de prejuízo!
E contrario sensu, o comprador irá pagar R$ 297.000 por um produto que vale R$ 450.000.....
Se não há onerosidade excessiva nessa situação, é necessário urgentemente rever o significado da expressão.....
Contudo, existe luz no fim do túnel, em especial pela situação atípica que vivemos no mundo nesse ano de 2020, onde o enfrentamento da Pandemia de COVID-19 levou o Governo Federal a declarar Estado de Calamidade e decretar Moratória Fiscal Geral, o que inabalavelmente importa em reconhecer a imprevisibilidade e a existência de força maior.
Assim, alguns tribunais vêm entendendo que situações como as narradas aqui nesse artigo podem e devem ser enquadradas nas regras de revisão contratual, pela existência inequívoca de onerosidade excessiva e imprevisível alteração das condições de mercado.
Vale dizer que para que não sejam aplicadas ditas regras, é necessário se ter, de fato, uma condição sócio-econômica (tanto micro quanto macro) estável, efetivamente regrada e obediente a ditas regras, aceitando obviamente PEQUENAS oscilações, o que certamente não temos no nosso país.
Segue abaixo extrato de julgamento recente que nos traz expectativa de mudanças:
APELAÇÃO CÍVEL. EMBARGOS À EXECUÇÃO. CONTRATO DE COMPRA E VENDA DE SAFRA FUTURA DE SOJA. CERCEAMENTO DE DEFESA. INEXISTENTE. REQUISITOS PARA EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. CERTEZA, LIQUIDEZ E EXIGIBILIDADE. PRESENTES. RESOLUÇÃO DO CONTRATO. ESTIAGEM. SITUAÇÃO ANORMAL E DE EMERGÊNCIA. PERDA ELEVADA DA PRODUÇÃO DE SOJA. ONEROSIDADE EXCESSIVA. OCORRÊNCIA. MULTA. PERDAS E DANOS. AFASTAMENTO. PRECEDENTE DO C. STJ. PREQUESTIONAMENTO. 1. O título que serve de base à execução proposta, em que se busca o pagamento de cláusula penal, representa obrigação certa, líquida e exigível a amparar a execução (CPC/2015 783 e 784, III). 2. Comprovada a situação anormal ocasionada por severa estiagem que comprometeu a produção da soja e a fim de resguardar o equilíbrio entre as partes contratantes e zelando ainda pela função social do contrato, bem como pela boa fé objetiva, vislumbra-se, no caso concreto, motivo ensejador para resolução do contrato por onerosidade excessiva e por quebra da base objetiva do contrato, sem a imposição de qualquer multa em desfavor do agricultor. Precedente do C. STJ. 3. Deu-se parcial provimento ao apelo do embargante. (TJ-DF 00042111720178070001 DF 0004211-17.2017.8.07.0001, Relator: SÉRGIO ROCHA, Data de Julgamento: 18/03/2020, 4ª Turma Cível, Data de Publicação: Publicado no DJE: 04/05/2020. Pág.: Sem Página Cadastrada.)
Temos a expectativa de que entendimentos jurisprudenciais como esse passem a ser mais recorrentes, e trabalhamos incessantemente nesse propósito, trazendo os juízes mais próximos da realidade dos negócios no campo.
Caso se identifique com a situação trazida por este artigo, e esteja enfrentando dificuldades, não hesite em entrar em contato com nossa equipe.
Marques & Morais Advogados.